Quando o primeiro escândalo estoura, a maioria das empresas corre para apagar incêndio. Mas a verdade é que, em quase todos os casos, o alerta já havia sido dado, em reuniões, em e-mails ignorados ou num treinamento esquecido. A ausência de um código de conduta claro, vivo e praticado não só abre brechas para comportamentos antiéticos, como também mina silenciosamente a confiança de parceiros, investidores e clientes. No mundo dos negócios, não há espaço para improviso quando se trata de integridade.
Não é um manual decorativo nem um arquivo perdido no servidor da empresa. O código de conduta é o coração pulsante de qualquer programa de compliance eficiente. Ele define os limites, as expectativas e os valores que orientam a conduta diária dos colaboradores, da base ao topo.
A Natura, por exemplo, tornou seu código acessível e compreensível até para quem está fora da empresa. O material é público, didático e aplicado com rigor. Resultado? A marca virou referência em governança ética, mesmo enfrentando pressões típicas do mercado internacional.
Empresas que tratam o código como item simbólico, um PDF de boas intenções, acabam se tornando vulneráveis. Basta um deslize, uma denúncia, e todo o castelo de reputação desmorona. O compliance, nesse sentido, é mais que um escudo. É um espelho. E o código, sua moldura.
A ausência ou fragilidade de um código de conduta gera efeitos colaterais que não aparecem de imediato, mas que corroem a cultura e a saúde institucional de forma contínua. Começa com pequenos desvios: um conflito de interesses não declarado, um presente generoso demais de um fornecedor, uma piada inadequada em grupo de trabalho.
O caso da Via Varejo em 2019 é emblemático. Após denúncias internas ignoradas, a empresa sofreu desgastes públicos e precisou revisar às pressas seu sistema de governança. Se houvesse um código claro, executado com firmeza e treinamentos contínuos, as condutas irregulares poderiam ter sido contidas antes de se tornarem manchete.
Mais do que disciplinar, o documento tem o poder de antecipar riscos. Serve como base para decisões difíceis, como demissões por justa causa, exclusões de fornecedores ou a recusa a oportunidades “lucrativas” que violam princípios éticos.
E, para além do jurídico, há o intangível: a confiança no mercado. Em tempos de ESG, um erro ético afeta diretamente o valor percebido da companhia, e, sim, seu valuation.
Desenhar um código de conduta funcional exige muito mais do que copiar modelos prontos ou adotar linguagens genéricas. O texto precisa dialogar com a cultura organizacional, os riscos específicos do setor e a linguagem do time.
Veja o exemplo do Magazine Luiza: a empresa investiu em um código direto, inclusivo e alinhado com sua estratégia de diversidade. Ele não se limita a regras; promove valores. Está integrado aos treinamentos, aos rituais de liderança e aos canais de denúncia. O resultado? Maior engajamento interno e blindagem reputacional.
Um código eficiente deve conter:
O segredo está na clareza, não na formalidade. Um colaborador deve ser capaz de ler o documento e saber o que fazer diante de uma situação real, sem precisar consultar advogados.
Em processos de licitações, a ausência de um código robusto é uma bomba-relógio. Não é apenas sobre seguir regras públicas, é sobre provar integridade. E nesse cenário, o compliance deixa de ser diferencial para virar exigência contratual.
Empresas que disputam contratos com órgãos públicos estão cada vez mais sendo cobradas a comprovar políticas de integridade ativas. Um código mal formulado ou sem aplicação prática pode ser interpretado como risco de fraude, propina ou favorecimento indevido.
Um estudo da CGU de 2022 revelou que mais de 60% das empresas inabilitadas em licitações foram reprovadas por falhas em seus mecanismos de integridade. Isso inclui códigos genéricos, ausência de canal de denúncia e falta de treinamentos.
A Odebrecht, depois da Lava Jato, passou a investir pesado em compliance. Seu novo código de conduta virou símbolo da tentativa de reerguimento. Mas o preço foi alto: a marca jamais se recuperou totalmente da crise reputacional.
Para quem atua no setor público ou quer disputar grandes contratos, um código forte é tão importante quanto a proposta técnica. Sem ele, o risco jurídico e de imagem supera qualquer lucro potencial.
Um código bem escrito não vale nada se a alta gestão não o vive na prática. A cultura da empresa se forma no exemplo. Um diretor que ultrapassa os limites ou se cala diante de irregularidades destrói, com sua omissão, todo o trabalho do compliance.
Lideranças que tratam o código como documento estratégico colhem mais do que segurança: elas constroem empresas com identidade ética forte, que retêm talentos e atraem investidores.
O case da MRV mostra isso na prática. A companhia criou um sistema de integridade baseado em lideranças capacitadas e políticas internas consistentes. Seu código é revisado anualmente e vinculado ao plano de metas dos executivos. A consequência? A empresa se consolidou como referência em ESG no setor da construção.
Fazer compliance dar certo exige, acima de tudo, coerência. E coerência começa no topo. É quando o exemplo arrasta, mais do que qualquer manual.
Em tempos de redes sociais, tribunais da opinião pública e exigências ESG, o código de conduta não é uma formalidade. É uma defesa. Um norte. Uma ferramenta de sobrevivência e crescimento.
Negligenciar seu poder é brincar com o risco, e o risco, no mundo corporativo, cobra caro.
Empresas que entendem isso não apenas se protegem: elas crescem mais fortes, mais confiáveis e mais prontas para enfrentar um mercado que não perdoa incoerências.